Estresse: como ele pode danificar seu corpo e cérebro?
Todos sabemos o que é o estresse, em termos físicos, apesar dos sintomas variarem entre as pessoas. Alguns têm tremores ou palpitação, outras desenvolvem tensão muscular, dores de cabeça ou dores de estômago. Porém, o que nem sempre percebemos é que nossas respostas fisiológicas aos estresses e tensões da vida podem ter repercussões mais profundas e menos óbvias em praticamente todos os órgãos e sistemas do corpo.
“Acho que as pessoas realmente subestimam o tamanho dos efeitos”, disse Janice Kiecolt-Glaser, diretora do Instituto de Pesquisa em Medicina Comportamental da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Ohio. Quando você sofre com estresse, seu cérebro desencadeia a liberação de uma cascata de hormônios – como cortisol, epinefrina (também conhecida como adrenalina) e norepinefrina – que produzem mudanças fisiológicas. Essas mudanças, chamadas de resposta ao estresse ou reação de lutar ou fugir, são projetadas para ajudar as pessoas a reagir ou lidar com a ameaça ou perigo que estão enfrentando.
O problema é que essas mudanças podem ocorrer e de fato ocorrem em resposta a estressores que não ameaçam a vida – situações como prazos de trabalho, engarrafamentos, pressões financeiras e conflitos familiares – e, com o tempo, podem afetar o corpo e a mente. “As pessoas entendem os grandes estressores, mas não prestam atenção aos estressores menores que se acumulam e também fazem a diferença”, disse Kiecolt-Glaser.
O que vem a seguir é uma visão detalhada de como o estresse pode afetar vários órgãos e sistemas do corpo, da cabeça aos pés.
Cérebro
Formas agudas de estresse – quando você está enfrentando um prazo de trabalho ou discutindo com um ente querido, por exemplo – podem realmente ser benéficas no curto prazo, banhando o cérebro com hormônios (como o cortisol) que ajudam a melhorar sua motivação e sua capacidade de foco e desempenho, de acordo com Wendy Suzuki, professora de neurociência e psicologia da Universidade de Nova York e autora de Good Anxiety: Harnessing the Power of the Most Misunderstood Emotion.
Por outro lado, o prolongamento dos níveis elevados de cortisol que acompanha o estresse crônico e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) pode interferir e danificar o hipocampo do cérebro, que é fundamental para a função da memória de longo prazo, disse Suzuki. No longo prazo, aumentos no cortisol também podem danificar o córtex pré-frontal do cérebro, que é essencial para a atenção focada e a função executiva (processos cognitivos que permitem que você planeje, organize, resolva problemas, se dedique a pensamentos flexíveis e controle seus impulsos).
Sistema cardiovascular
Com o estresse agudo, sua frequência cardíaca se acelera e sua pressão arterial aumenta para que (evolutivamente falando) você possa se preparar para lutar ou fugir para salvar sua vida. Depois que o encontro estressante passa, essas funções deveriam retornar aos seus estados normais. Mas isso nem sempre acontece no mundo moderno, onde muitas vezes encontramos só estressores atrás de estressores.
O estresse crônico, que ocorre ao longo de meses a anos, pode levar à hipertensão arterial, adiposidade (acúmulo de gordura), resistência à insulina e maior inflamação sistêmica, explicou Ahmed Tawakol, codiretor do Centro de Pesquisa Cardiovascular e diretor de cardiologia nuclear do Hospital Geral de Massachusetts e da Harvard Medical School. “Juntas, elas impulsionam o acúmulo de placas arteriais e aumentam o risco de ataque cardíaco e derrame.”
Com o tempo, o estresse também pode levar ao estreitamento dos vasos sanguíneos e ao aumento da coagulação do sangue, o que aumenta ainda mais o risco de eventos cardíacos. Também é possível que, quando alguém enfrenta um estressor agudo além do estresse crônico, “tenha um efeito aditivo de tal forma que o estresse agudo pode desencadear um ataque cardíaco ou derrame”, disse Tawakol.
Sistema respiratório
Durante uma situação estressante, o sistema nervoso simpático se acelera e os hormônios do estresse são liberados, o que leva a uma respiração rápida e pode fazer você se sentir dificuldade de recuperar o fôlego. Isso pode afetar o transporte de oxigênio e dióxido de carbono no sangue. “A respiração rápida e superficial não é uma coisa boa – você não está se livrando do dióxido de carbono de maneira ideal e pode passar fome de oxigênio, o que pode levar a sintomas como tontura e vertigem”, observou Neil Schachter, especialista em pulmão e professor de medicina no Mount Sinai Medical Center, em Nova York.
Tanto o estresse agudo quanto o crônico podem desencadear ataques de asma ou exacerbar a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) nas pessoas que têm essas condições. Uma revisão de estudos em uma edição de 2017 da revista Respiratory Medicine descobriu que estressores ativos (como ter de concluir uma tarefa de matemática) e estressores passivos (como assistir a filmes estressantes) levaram a aumentos na ativação do sistema nervoso simpático, e a forma passiva de estresse também foi associada à broncoconstrição leve entre pessoas com asma.
Sistema imunológico
Durante um evento ou período de tempo estressante, os hormônios do estresse, como o cortisol, viajam para o sistema imunológico e têm vários efeitos desreguladores. Uma é desencadeando uma inflamação elevada, que está na raiz de muitas condições, incluindo doenças cardiovasculares e demência, observou Kiecolt-Glaser. “Quando você está sob estresse, você pode ter uma liberação de citocinas pró-inflamatórias”, proteínas que afetam a função imunológica.
Embora a inflamação de curto prazo geralmente ajude o corpo a se curar – pense no inchaço que se desenvolve ao redor de um tornozelo torcido, aumentando o fluxo sanguíneo na área – a inflamação excessiva ou crônica pode se voltar contra células saudáveis, tornando-as mais vulnerável a infecções, menos responsivas a vacinas e mais lentas para curar.
Além disso, a liberação de citocinas pró-inflamatórias pode viajar para o cérebro e aumentar o risco de depressão. Quando se trata de estresse e depressão, “é um ciclo desagradável”, disse Kiecolt-Glaser. “Quando você está deprimido, acaba dormindo mal e tendo menos probabilidade de se exercitar, o que pode aumentar a inflamação e a depressão.”
Sistema gastrointestinal
O estresse diminui a motilidade gastrointestinal (lentificação do esvaziamento do intestino), o que pode fazer você sentir enjoo, inchaço ou constipação, explicou a gastroenterologista Cindy Yoshida, professora de medicina do Sistema de Saúde da Universidade da Virgínia, em Charlottesville. Mas a principal notícia é: o estresse gera mudanças no microbioma intestinal, prejudicando a diversidade das bactérias, o que afeta a função da barreira intestinal de maneiras que aumentam a permeabilidade intestinal. Isso significa que subprodutos bacterianos dos alimentos que você come podem vazar do trato intestinal para sua circulação, o que, por sua vez, desencadeia respostas inflamatórias e hormonais, explicou Yoshida.
Entre outros efeitos, essas alterações podem exacerbar a síndrome do intestino irritável e a doença inflamatória intestinal (DII). De fato, um estudo em uma edição de 2020 da PLOS One descobriu que o estresse psicológico estava relacionado a surtos de doença de Crohn e colite ulcerativa entre 1.078 pessoas com DII – e 75% dos participantes estavam cientes desse efeito. Para piorar a situação, “há comunicação suficiente entre o intestino e o que está acontecendo no cérebro: o estresse pode aumentar a permeabilidade intestinal e a permeabilidade intestinal também pode causar ansiedade e depressão”, disse Yoshida.
Pele
Se você já sofreu um surto de acne ou eczema quando estava estressado, conhece muito bem os efeitos do estresse na pele, que é o maior órgão do corpo humano. “Nós costumávamos pensar na pele como um invólucro, mantendo nossas entranhas lá dentro e o resto lá fora”, de acordo com Rick Fried, dermatologista e psicólogo clínico e diretor clínico da Yardley Dermatology Associates e da Clínica de Pesquisa Yardley, em Yardley, Pensilvânia. “Ao longo dos anos, fomos percebendo que a pele é um órgão muito ativo por si só – tem seu próprio sistema imunológico e fica interagindo com o cérebro a cada instante”.
Como resultado, quando você passa por estresse agudo ou crônico, o sistema imunológico da pele é ativado, o que promove inflamação, levando a um agravamento das condições da pele, como rosácea, psoríase, urticária e eczema.
O estresse também pode interferir na capacidade da pele de reter água – e a cascata de hormônios do estresse que são liberados leva as glândulas sebáceas da pele a produzir mais óleo, o que pode desencadear acne, disse Joshua Zeichner, professor associado de dermatologia da Hospital Mount Sinai, em Nova York.
“Poucos dias depois de um evento estressante, vemos os efeitos na pele. O impacto do estresse na pele é real”. E, para piorar, isso pode levar a um ciclo vicioso em que o estresse pode causar uma condição da pele que, por sua vez, gera mais angústia e exacerba ou prolonga o problema de pele, acrescentou Fried.
O que fazer
Compreender como o estresse afeta o corpo pode ajudar você a perceber a importância de mitigá-lo. E, na maioria das vezes, os efeitos prejudiciais do estresse são um tanto variáveis, disseram os especialistas.
Se você se exercita regularmente, tem um sono de boa qualidade e toma medidas para reduzir e/ou gerenciar seu estresse, “você pode reduzir a atividade do estresse no cérebro, a inflamação sistêmica e o risco de desenvolver doenças cardiovasculares”, disse Tawakol.
Você também pode diminuir sua reatividade ao estresse fazendo exercícios de respiração profunda, relaxamento muscular progressivo, meditação, ioga ou exercícios aeróbicos, que ajudarão a acalmar a resposta do seu corpo ao estresse, aconselhou Fried.
Adotar essas estratégias é uma boa ideia, já que eventos e situações estressantes – grandes e pequenas – não vão desaparecer tão cedo.
Lembre-se: “Não são apenas os grandes estressores que importam – os estressores menores que se acumulam também importam”, disse Kiecolt-Glaser, “especialmente se você não os gerenciar”.
Fonte: Estadão